Vamos combinar: a nossa língua é cheia de surpresas, não é?
Quem nunca se encantou com uma frase que parece simples, mas carrega um mundo por trás?
“Falando como alguém que adora fuçar nos detalhes da linguagem, posso dizer que entre as muitas figuras de linguagem que a língua portuguesa oferece, algumas são bem conhecidas — como metáfora, metonímia, hipérbole e antítese —, enquanto outras permanecem mais obscuras, embora também possuam grande efeito poético e expressivo. É o caso da hipálage…”
Falando como alguém que adora fuçar nos detalhes da linguagem…
Entre as muitas figuras de linguagem que a língua portuguesa oferece, algumas são bem conhecidas, como metáfora, metonímia, hipérbole e antítese. Outras, no entanto, permanecem um pouco obscuras para a maioria das pessoas, embora também carreguem uma riqueza estética e expressiva enorme. É o caso da hipálage, uma figura de linguagem fascinante que surpreende por sua sutileza e por sua capacidade de transformar a maneira como percebemos uma frase.
A hipálage é uma daquelas figuras de linguagem que, à primeira vista, pode parecer estranha ou até difícil de compreender, mas que, quando observada de perto, revela um charme único. Ela ocorre quando transferimos a um termo características que, na realidade, pertencem a outro dentro da frase. Esse deslocamento cria um efeito poético inesperado, capaz de despertar a imaginação e dar mais profundidade ao texto.
Diferente de recursos mais conhecidos, como a metáfora ou a comparação, a hipálage não busca apenas criar semelhanças, mas sim reorganizar atributos de forma sutil. Isso permite que uma frase simples ganhe novos significados e toque o leitor de maneiras diversas. Por exemplo, quando se fala em “noite insone”, na verdade não é a noite que não dorme, mas sim a pessoa. Esse desvio proposital da lógica literal é justamente o que torna a hipálage tão envolvente.
Um dos pontos mais fascinantes dessa figura é sua presença constante na literatura, especialmente na poesia. Escritores e poetas recorrem à hipálage para criar imagens inesperadas, dar ritmo aos versos e provocar reflexões no leitor. Ao jogar com sentidos deslocados, o autor convida quem lê a participar ativamente do processo interpretativo, indo além da leitura superficial.
Mas engana-se quem pensa que a hipálage está restrita aos textos clássicos. Ela também aparece em músicas, propagandas e até no modo como falamos no dia a dia. Muitas vezes, sem perceber, usamos expressões em que os adjetivos não se encaixam literalmente nos substantivos, mas que, ainda assim, soam naturais e carregados de significado. Esse uso inconsciente mostra como a hipálage faz parte da nossa forma de pensar e de nos expressar.
Outro aspecto relevante é o papel que a hipálage desempenha na estética do texto. Ao alterar a lógica convencional, ela instiga o leitor a refletir, a parar diante da frase e buscar seu verdadeiro sentido. Esse impacto, que mistura surpresa e profundidade, é o que garante à hipálage um lugar especial entre as figuras de linguagem, mesmo não sendo tão conhecida quanto outras.
Estudar e reconhecer a hipálage também pode ser um grande diferencial para estudantes que se preparam para provas como o ENEM, vestibulares ou concursos. Afinal, compreender figuras de linguagem é uma habilidade cobrada com frequência, e saber identificar recursos menos comuns, como a hipálage, demonstra um olhar atento e crítico sobre a linguagem.
Por fim, explorar figuras como a hipálage é uma oportunidade de enriquecer a própria escrita. Quem aprende a utilizar esse recurso ganha mais liberdade criativa, podendo dar às frases um charme artístico e um efeito de originalidade que tornam qualquer texto mais interessante.
Neste artigo, vamos entender o que é hipálage, como ela funciona, por que é tão interessante e como você pode identificá-la ou até usá-la em seus textos. Também veremos exemplos em poemas, literatura e no dia a dia.
ATENÇÃO! VOCÊ PRECISA LER ESSES TÓPICOS PARA ENTENDER A ESTRUTURA
- O QUE SÃO FIGURAS DE LINGUAGEM?
- FIGURAS DE PALAVRAS OU SEMÂNTICAS
- FIGURAS DE PENSAMENTO OU SENTIDO
- FIGURAS DE SINTAXE OU CONSTRUÇÃO
- FIGURAS DE SOM OU HARMONIA
- FIGURAS DE REPETIÇÃO
O que é hipálage?
Particularmente, sempre achei essa figura incrível pela forma como mexe com a nossa percepção.
Pode parecer confusa no começo, mas quando a gente entende… é quase poético.”
“A hipálage pertence às figuras de construção ou sintaxe. Ela ocorre quando um adjetivo (ou outro modificador) é atribuído a um substantivo que, logicamente, não seria o mais adequado para receber aquela característica, mas sim outro elemento da frase. Em outras palavras, consiste na transferência de uma qualidade de um elemento para outro, criando efeito expressivo sem gerar confusão no entendimento.”
“De forma simples, é como se o sentimento de alguém fosse ‘emprestado’ a um objeto. Por exemplo, em ‘noite difícil’, quem enfrenta a dificuldade é a pessoa, não a noite em si.”
Se você nunca ouviu falar, prepare-se para se surpreender
A hipálage é uma figura de linguagem classificada entre as figuras de construção ou sintaxe. Ela ocorre quando um adjetivo (ou outro modificador) é atribuído a um substantivo que, logicamente, não é o mais apropriado ou natural para receber aquela característica, mas sim outro elemento da frase.
Em outras palavras, a hipálage consiste em uma transferência de uma qualidade de um elemento para outro, criando um efeito expressivo. Essa inversão não causa confusão no entendimento, mas gera beleza, estranheza ou profundidade no texto.
Definição técnica
Hipálage é a figura de linguagem em que se transfere uma característica de um termo para outro, geralmente de modo a personificar ou dar ênfase a uma sensação subjetiva por meio de um elemento objetivo.
Traduzindo de forma simples, é como se o sentimento da pessoa fosse ‘emprestado’ a um objeto.
Sabe quando você diz ‘noite difícil’, mas no fundo foi você que teve uma noite difícil? É isso.
A definição parece complicada, mas juro que faz sentido com os exemplos.
TESTE O SEU CONHECIMENTO

Explicação:
Na frase:
“A biblioteca adormecida esperava os primeiros leitores da manhã.”
Temos o uso da figura de linguagem chamada hipálage, que ocorre quando um adjetivo ou qualificativo que logicamente se referiria a uma palavra é transferido a outra próxima, criando um efeito poético ou estilístico.
Análise:
- O adjetivo “adormecida” naturalmente se aplicaria às pessoas (os leitores), que podem dormir ou acordar.
- No entanto, ele é atribuído à biblioteca, um ser inanimado, o que gera o deslocamento típico da hipálage.
Portanto, a frase não é prosopopeia, pois o foco não está em atribuir ações humanas à biblioteca, mas sim no deslocamento do adjetivo para causar um efeito expressivo.
Gabarito correto:
c) Hipálage – porque o adjetivo “adormecida” se refere aos leitores, mas foi transferido à biblioteca.
Um exemplo clássico de hipálage
Esse exemplo me marcou quando li pela primeira vez.
A imagem que essa frase cria é simplesmente poderosa.
Dá pra sentir o cansaço da cidade inteira só com essa escolha de palavras.
Para entender melhor, vejamos um exemplo literário famoso, de Virgílio, poeta romano, em sua obra Eneida:
“As muralhas fatigadas da cidade.”
Ora, quem está fatigado não são as muralhas, mas as pessoas da cidade. O adjetivo “fatigadas” foi transferido para “muralhas”, que normalmente não poderiam sentir cansaço. Essa inversão dá um efeito poético e mostra a exaustão coletiva da cidade refletida em sua arquitetura.
Outro exemplo muito conhecido, de Carlos Drummond de Andrade, no poema No meio do caminho:
“No meio do caminho tinha uma pedra dura.”
Nesse caso, embora não tão explícito quanto no caso anterior, a pedra simboliza obstáculos da vida, e o adjetivo “dura” não se refere apenas à pedra física, mas também à dureza do momento vivido, transferindo uma sensação subjetiva para um objeto concreto.
Como identificar uma hipálage?
Sempre que fico na dúvida, faço um pequeno teste mental.
Se você é curioso como eu, vai gostar de brincar com isso em textos seus.
Às vezes, é só seguir a intuição: se soa poético e um pouco fora do lugar… bingo!
Para reconhecer uma hipálage, você pode se fazer estas perguntas:
O adjetivo (ou característica) parece mais adequado a outro elemento da frase?
Essa inversão dá um tom poético, subjetivo ou expressivo ao texto?
O sentido literal não faz muito sentido, mas o sentido figurado emociona ou impressiona?
Por exemplo:
- “Caminhava pelas ruas solitárias.”
Aqui, são as ruas que são chamadas de solitárias, mas, na verdade, quem sente solidão é a pessoa que caminha por elas.
Por que usar hipálage?
A hipálage é mais comum em textos literários e poéticos, porque ajuda a:

É um toque especial que transforma até uma frase simples em algo memorável
Vale muito experimentar em uma redação ou até numa legenda de foto.
Eu mesmo já usei sem saber o nome disso.
No dia a dia, também podemos encontrar frases com hipálage, ainda que de forma menos consciente:
- “Comi um almoço triste.”
- “Li um livro cansado.”
- “Andava por noites inquietas.”
Em todos esses casos, a característica que naturalmente seria do sujeito (tristeza, cansaço, inquietação) é transferida para o objeto (almoço, livro, noite), dando um tom literário mesmo em uma fala corriqueira.
Diferença entre hipálage e outras figuras parecidas
Confesso que já confundi hipálage com prosopopeia mais de uma vez.
É tipo aquela diferença sutil que só pegamos com exemplos práticos mesmo.
O segredo é prestar atenção no papel do adjetivo.
É comum confundir hipálage com outras figuras de linguagem, como:
Prosopopeia (ou personificação)
Atribui características humanas a seres inanimados ou abstratos:
- “O vento gritava lá fora.”
Na prosopopeia, o objeto realmente “faz” a ação humana, enquanto na hipálage a característica humana é só transferida para o objeto.
Metonímia
Substitui um termo por outro com o qual mantém relação:
- “Bebi um copo.” (em vez de “bebi o líquido do copo”)
Na hipálage não há substituição de termos, mas transferência de características.
Antonomásia
Substitui o nome por uma qualidade ou título:
- “O Rei do Rock” para Elvis Presley.
Nada a ver com a inversão típica da hipálage.
Exemplos literários de hipálage
Reparar nesses detalhes muda completamente a experiência de leitura.
Saramago, Pessoa, Machado… não é pouca coisa!
Dá até vontade de reler os textos com esse olhar mais atento.
Muitos escritores e poetas usam a hipálage para dar mais emoção aos seus textos. Veja alguns exemplos:
José Saramago – Ensaio sobre a cegueira:
“Eram almas perdidas, pelas ruas desamparadas.”
As ruas não estão desamparadas; são as almas das pessoas que estão. A transferência reforça a sensação de abandono.
Fernando Pessoa – Mensagem:
“E nas areias mornas de um sonho cansado.”
O sonho é que está cansado, mas a imagem é dada às areias.
Machado de Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas:
“No silêncio das noites inquietas.”
As noites em si não são inquietas, mas quem as vive sente inquietação.
Como usar hipálage nos seus textos
Vai por mim: usar essa figura dá um charme especial ao texto.
Eu adoro brincar com isso quando quero que a frase soe mais profunda.
Testa aí e depois me conta se não ficou mais bonito.
Se você escreve, pode experimentar a hipálage para dar mais beleza e originalidade ao que escreve. Algumas dicas práticas:
Pense em um sentimento ou estado de espírito do personagem e procure um objeto ao redor para “carregar” essa emoção.
Verifique se a inversão não causa confusão para o leitor — o sentido figurado ainda deve ser compreensível.
Use em momentos-chave, para não sobrecarregar o texto.
Prefira contextos poéticos, reflexivos ou literários, em que a subjetividade seja bem-vinda.
Exemplo:
Em vez de “Ele passou uma noite solitária”, escreva: “Ele caminhou por ruas solitárias.”
Hipálage no dia a dia
A gente nem percebe, mas já usa isso o tempo todo.
Já disse ‘almoço triste’ alguma vez? Então pronto: você já usou hipálage.
É como poesia disfarçada no cotidiano.
Embora seja mais comum na literatura, a hipálage pode surgir em conversas comuns, quase sem percebermos:
- “Tomei um café apressado.”
- “Passei uma tarde preguiçosa.”
- “Li uma carta nervosa.”
Essas expressões, mesmo sendo coloquiais, carregam um tom subjetivo e poético.
Por que estudar e valorizar figuras como a hipálage?
Pode parecer coisa de professor de português, mas vai muito além.
É incrível como isso melhora até nossa capacidade de interpretar o mundo.
Linguagem é poder, e entender suas sutilezas é libertador.
Estudar figuras de linguagem, em especial as menos conhecidas como a hipálage, ajuda a:
ampliar o repertório linguístico e literário;
melhorar a interpretação de textos;
enriquecer a escrita com recursos expressivos;
apreciar mais profundamente a beleza da língua.
Além disso, conhecer e identificar essas figuras permite perceber detalhes sutis na obra de grandes autores e também valorizar a criatividade do uso cotidiano da língua.
Conclusão
No fim das contas, escrever (ou falar) bem é também sentir bem.
A linguagem, quando bem usada, emociona — e a hipálage é mestre nisso.
Espero que este texto tenha despertado em você o mesmo encantamento que essa figura me traz.
A hipálage é uma figura de linguagem delicada e poderosa. Por meio da simples transferência de uma qualidade, transforma frases banais em imagens carregadas de emoção e poesia. Ela é a prova de como a linguagem humana não é apenas um instrumento para transmitir informações, mas também uma forma de arte capaz de tocar sentimentos e despertar novas percepções.
Na próxima vez que você se deparar com uma “noite inquieta” ou “ruas solitárias”, lembre-se: a beleza dessa inversão tem nome — hipálage. Experimente usá-la em suas próprias palavras, seja escrevendo uma redação, um poema ou até mesmo numa legenda para as redes sociais. Você verá como pequenos desvios podem criar grandes efeitos.
Gostou de aprender sobre a hipálage? Então, que tal prestar mais atenção nos textos que lê e identificar outras figuras de linguagem escondidas por aí? Compartilhe este post com amigos que também gostam de literatura e linguagem e ajude a espalhar esse conhecimento!
